continuação
"A Rota apaga"
"A mãe dá à luz, a Rota apaga." O dístico, relata um jovem, soldado do
Exército e morador da favela de Heliópolis, vizinha à Pilões, é gritado
pelos policiais toda vez que invadem a área. Outra frase de efeito moral é
"Deus cria, a Rota mata".
Todos os moradores entrevistados, pessoas que estavam nas ruas e vielas
durante a visita-surpresa da Folha, ou que foram saindo de suas casas, não
precisaram de estímulo para falar. Queriam apenas não ser identificados na
reportagem -medo de represálias dos policiais. Todos narraram cenas do
terror rotineiro que lhes é imposto pelos soldados da PM.
"Eu já tive de trocar três vezes a porta de casa. É que os policiais mandam
deixar a porta só encostada. Se estiver trancada, eles derrubam a pontapés."
"Minha casa tem dois portões de ferro. Não é contra bandido, aqui ninguém
rouba ninguém. É pra proteger da polícia." Três mulheres e uma adolescente
acusaram a polícia de abordar as que chegam do trabalho ou da escola,
chamando-as de "puta", "vagabunda" ou "vaca". "Já fizeram isso comigo; eram
cinco da tarde e eu estava voltando da escola", diz uma menina de 12 anos.
Um operário conta que policiais arrombaram sua casa para pegar uma camisa e,
com ela, limpar os sapatos. "Eu fui lá reclamar na delegacia, mas me
disseram que eu esquecesse: polícia não faz BO [boletim de ocorrência] de
polícia."
"Eles querem fazer todo mundo acreditar que aqui [na favela] só tem bandido,
PCC, mas não é assim. Os caminhões das Casas Bahia, da Marabrás, entram
sempre aqui e nunca foram roubados."
"Essas lâmpadas da rua: de noite, a gente tem de desligar. Se eles
[policiais] entram e encontram as luzes acesas, arrebentam com tiros. Olha
só essa luminária [e aponta para uma, esburacada, sem lâmpada]."
No enterro dos irmãos, sexta-feira, às 17h40, uma parente, estudante de
direito, reclamou: "A polícia mata uns jovens bestas e sem futuro como eles,
enquanto o bonzão do PCC [refere-se ao líder Marcos Willians Herbas Camacho,
o Marcola], fica no bem-bom, falando em celular, recebendo visita e dando
entrevista -como se fosse cantor popular. As coisas estão de cabeça para
baixo, não é?"
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