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terça-feira, 12 de agosto de 2008

Fernando Pessoa através de Álvaro de Campos: outra poesia

Lisbon revisited (1926)

Nada me prende a nada.
Quero cinqüenta coisas ao mesmo tempo.
Anseio com uma angústia de fome de carne
O que não sei que seja -
Definidamente pelo indefinido...
Durmo irrequieto, e vivo num sonhar irrequieto
De quem dorme irrequieto, metade a sonhar.
Fecharam-me todas as portas abstratas e necessárias.
Correram cortinas de todas as hipóteses que eu poderia ver da rua.
Não há na travessa achada o número da porta que me deram.
Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...
Compreendo a intervalos desconexos;
Escrevo por lapsos de cansaço;
E um tédio que é até do tédio arroja-me à praia.

Fernando Pessoa através de Álvaro de Campos

Lisbon Revisited
(l923)

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!

Mais de Manuel Bandeira

Fonte: blog Divina Insanidade - paulhacos.blogspot.com

Chambre Vide/ Quarto Vazio


Petit chat blanc et gris
Reste encore dans la chambre
La nuit est si noire dehors
Et le silence pése

Ce soir je crains la nuit
Petit chat frère du silence
Reste encore
Reste auprès de moi
Petit chat blanc et gris
Petit chat

La nuit pèse
Il n'y a pas de papilons de nuit
Où sont donc ces bêtes?
Les mouchs dorment sur le fil de l'électricité
Je suis trop seul vivant dans cette chambre
Petit chat frère du silence
Reste à mes côtes
Car il faut que je sente la vie auprés de moi
Et c'est toi qui fais que la chambre n'est pas vide
Petit chat blanc et gris

Reste dans la chambre
Eveillé minutieux et lucide
Petit chat blanc et gris
Petit chat.

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Gatinho branco e cinza
Fica um pouco aqui no quarto
A noite lá fora é tão negra
E o silêncio pesa

A noite hoje até dá medo
Gatinho irmão do silêncio
Fica um pouco
Fica comigo
Gatinho branco e cinza
Gatinho

A noite pesa
E nem vejo as mariposas

Onde se meteram esses bichinhos?
As moscas dormem sobre os fios de eletricidade
Estou tão sozinho aqui dentro do quarto
Gatinho irmão do silêncio
Fica junto de mim
Que eu preciso sentir a vida junto de mim
E graças a você o quarto não está mais vazio
Gatinho branco e cinza
Fica aqui no quarto
Desperto minucioso e esperto
Gatinho branco e cinza
Gatinho.

Manuel Bandeira; Petrópolis 1922

Um pouco de Manuel Bandeira

PENSAO FAMILIAR

Jardim da pensãozinha burguesa.
Gatos espaçados ao sol.
A tiririca sitia os canteiros chatos.
O sol acaba de crestar as boninas que murcharam.
Os girassóis
amarelo!
resistem.
E as dálias, rechonchudas, plebéias, dominicais.

Um gatinho faz pipi.
Com gestos de garçom de restaurant-Palace
Encobre cuidadosamente a mijadinha.
Sai vibrando com elegância a patinha direita:
_ É a única criatura fina da pensãozinha burguesa.