continuação
Pedido de misericórdia
A moradora de uma casa colada ao "campinho" conta: "Um dos meninos pedia:
"Pelamordedeus, não me mata, deixa eu ir embora'". Os quatro filhos dela,
pernambucana, doméstica, que ganha dois salários mínimos por mês e acorda às
5h para trabalhar na Vila Mariana, já dormiam. A menorzinha, oito anos,
acordou no meio da confusão e se assustou com os pedidos de misericórdia.
"Eu fiquei com medo de eles matarem minha mãe também", disse a menina. "E
chorei na hora em que eles atiraram. Minha mãe falou pra eu não chorar, que,
senão, os homens matavam a gente também."
"Cuidado aí", advertem a reportagem. Alguém num barraco acima (é um declive)
começou a tomar banho -o corregozinho de água e sabão começou a molhar os
pés de todos.
Os mortos chamam-se Cristiano Augusto Rodrigues, 28, e os irmãos Jefferson
do Carmo Pereira, 27, e Rogério do Carmo Pereira, 24.
Um primo de Cristiano dá a ficha: "Ele sofria de epilepsia. Tinha quase 30
anos, mas era como uma criança", diz, referindo-se a um retardo mental.
"Tomava remédios e fazia bico em reciclagem de plástico."
Jefferson e Rogério eram metalúrgicos desempregados. Nos últimos tempos,
atuavam como vigias noturnos em um estacionamento vizinho à favela. Ganhavam
R$ 600 por mês, sem carteira assinada. Entravam às 23h30 e saíam às 8h30.
Segundo a mãe dos jovens, 46, foi o patrão quem arcou com os custos do
enterro, feito em urnas de padrão "nobre", na classificação do serviço
funerário municipal, ao preço de R$ 1.259 cada uma. "A gente não tinha
condições", disse a mulher. No velório dos filhos, ela se jogou sobre o
caixão de Robson, a janelinha aberta sobre o rosto do rapaz. Soltou um
grunhido gutural, antinovela da Globo, o som do desespero.
A dona de um bar na favela disse que, na noite em que morreram, os rapazes
passaram pelo estabelecimento dela para tomar cerveja. "Quando saíram para
ir trabalhar, deram o azar de cruzar com a Rota."
"Os policiais chegaram à favela pela rua que margeia a linha de transmissão
da Eletropaulo. Lá, recolheram o Cristiano. Foram subindo a favela e catando
quem encontravam."
Os soldados perguntaram aos rapazes quem tinha "passagem". Rogério disse
que, sim, teve uma bronca com a polícia. Passou um mês preso, por roubo de
dois maços de cigarro em um posto. Segundo vizinhos, os demais nem chegaram
a responder. Os PMs descarregaram as armas neles.
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