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quarta-feira, 14 de março de 2007

Mais um texto sobre Redução da Maioridade Penal

CONTARDO CALLIGARIS

Maioridade penal e hipocrisia

Nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia de que a prisão é reeducativa

UM ADOLESCENTE de 16 anos fazia parte da quadrilha que arrastou o corpo de
João Hélio, 6 anos, pelas ruas do Rio. A cada vez que um menor comete um
crime repugnante (homicídio, estupro, latrocínio), volta o debate sobre a
maioridade penal. Em geral, o essencial é dito e repetido. E não acontece
nada. Aos poucos, o horror do crime é esquecido. Não é por preguiça, é por
hipocrisia. Preferimos deixar para lá, até a próxima, covardemente, porque
custamos a contrariar alguns lugares-comuns de nossa maneira de pensar. 1) A
prisão é uma instituição hipócrita desde sua invenção moderna. Ela protege o
cidadão, evitando que os lobos circulem pelas ruas, e pune o criminoso,
constrangendo seu corpo. Mas nossa alma "generosa" dorme melhor com a idéia
de que a prisão é um empreendimento reeducativo, no qual a sociedade emenda
suas ovelhas desgarradas. A versão nacional dessa hipocrisia diz que a
reeducação falha porque nosso sistema carcerário é brutal e inadequado. Essa
caracterização é exata, mas qualquer pesquisa, pelo mundo afora, reconhece
que mesmo o melhor sistema carcerário só consegue "recuperar"
(eventualmente) os criminosos responsáveis por crimes não-hediondos. Quanto
aos outros, a prisão serve para punir o réu e proteger a sociedade.


Essa constatação frustra as ambições do poder moderno, que (como mostrou Michel
Foucault em "Vigiar e Punir") aposta na capacidade de educar e reeducar os
espíritos. A idéia de apenas segregar os criminosos nos repugna porque diz
que somos incapazes de convertê-los.
Detalhe: Foucault denunciou (com razão) a instituição carcerária, mas, na
hora de propor alternativas (conferência de Montreal, em 1975), sua
contribuição era balbuciante.
2) Em geral, para evitarmos admitir que a prisão serve para punir e proteger
a sociedade (e não para educar), muda-se o foco da atenção: "Esqueça a
prisão, pense nas causas". Preferimos, em suma, a má consciência pela
desigualdade social à má consciência por punir e segregar os criminosos.
Ora, a miséria pode ser a causa de crimes leves contra o patrimônio, mas o
psicopata, que estupra e mata para roubar, não é fruto da dureza de sua
vida. Por exemplo, no último número da "Revista de Psiquiatria Clínica"
(vol. 33, 2006), uma pesquisa de Schmitt, Pinto, Gomes, Quevedo e Stein
mostra que "adolescentes infratores graves (autores de homicídio, estupro e
latrocínio) possuem personalidade psicopática e risco aumentado de
reincidência criminal, mas não apresentam maior prevalência de história de
abuso na infância do que outros adolescentes infratores".
3) A má consciência por punir e segregar é especialmente ativa quando se
trata de menores criminosos, pois, com crianças e adolescentes, temos uma
ambição ortopédica desmedida: queremos acreditar que podemos educá-los e
reeducá-los, sempre -e rapidamente, viu? No fim de 2003, outra quadrilha,
liderada por um adolescente, massacrou dois jovens, Liana e Felipe, que
passavam o fim de semana numa barraca, no Embu-Guaçu. Depois desse crime, na
mesma "Revista de Psiquiatria Clínica" (vol. 31, 2004), Jorge Wohney
Ferreira Amaro publicou uma crítica fundamentada e radical do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Resumindo suas conclusões: Ou o menor é consciente
de seu ato, e, portanto, imputável como um adulto; Ou seu desenvolvimento é
incompleto, e, nesse caso, nada garante que ele se complete num máximo de
três anos; Ou, então, o jovem sofre de um Transtorno da Personalidade
Anti-Social (psicopatia), cuja cura (quando acontece) exige raramente menos
de uma década de esforços. Em suma, a maioridade penal poderia ser reduzida
para 16 ou 14 anos, mas não é isso que realmente importa. A hipocrisia está
no artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo o qual, para
um menor, "em nenhuma hipótese, o período máximo de internação excederá a
três anos". Ora, a decência, o bom senso e a coerência pedem que uma
comissão, um juiz especializado ou mesmo um júri popular decidam, antes de
mais nada, se o menor acusado deve ser julgado como adulto ou não. Caso ele
seja reconhecido como menor ou como portador de um transtorno da
personalidade, o jovem só deveria ser devolvido à sociedade uma vez
"completado" seu desenvolvimento ou sua cura -que isso leve três anos, ou
dez, ou 50. ccalligari@uol.com.br

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